Raça, racismo, relativização e RPG… RRRR – Parte 2
Na primeira parte deste tema sobre raças, desenvolvi fatos e impressões do RPG tomando como base D&D e a influência que Tolkien teve no mesmo. Fazendo analogias discorri sobre questões raciais e como isso pode ser interpretado e entendido. Por fim, concluí que uma raça ser necessária ou naturalmente má não imprime de forma alguma racismo. Bem como raças multifacetadas, nem pretas e nem brancas quanto natureza, cinzentas em atos e ideologias, não configuram militância ou que só esse formato racial complexo denota qualidade. Tudo tem seu devido lugar e bom desenvolvimento quando pré-estabelecido é e contexto é firmado para tal.
Nesta segunda parte abordarei a regra alternativa para modificadores negativos raciais lançada pela Wizards of The Coast no ano passado, em meio ao boom contra o racismo estrutural ocorrido. Tomarei essa regra alternativa como ponto para então discorrer o que me parece óbvio.
Só pra frisar, esse não é um texto militante. Assim como não é um texto que diz que nada precisa ou pode mudar. Dito isso, vamos lá.
Regras alternativas e a tentativa de agradar todo mundo
Ao meu ver faz todo sentido uma empresa se posicionar para agradar todos os lados de seu consumo. Isso é óbvio! Nenhuma empresa quer perder consumidores, público. Mesmo que parte deste público esteja incorreta em algo, a empresa procurará mover alternativas para confortá-lo ou apaziguá-lo. Temos então a alternativa, por exemplo, de retirar os modificadores negativos de INT (inteligência) dos orcs, para que assim o personagem orc possa ser equiparado a um humano, ou elfo… Racialmente falando. Não ser apenas uma raça inferior intelectualmente conceituada. Ou mesmo remover algo baseado em bio-essencialismo, evolução ou adaptação ao meio.
Isso me parece uma forma efetivamente corporativa de proteger quem vê racismo além de onde realmente há. Então, ponto para a empresa! Fez o que tinha de fazer. Foi inteligente. Agora, no que concerne a jogo, ou ao social do mundo real, ver no emburrecimento órquico – uma raça de fantasia – alguma analogia ou código de alguma etnia humana desfavorecida ou preconizada é um tanto abstrato. Se não absurdo.
Muita coisa pode sim ter sido codificada no racial de D&D por exemplo, assim como no lado de sexos e afins (paradigmas sociais). O que não quer dizer que foi proposital, ou mesmo que tais são consideradas hoje como regra. Ninguém – saudável – joga com um drow e alude a etnia negra humana, do mundo real. Obviamente existem pessoas não saudáveis por aí, apontar que o jogo alimenta isso nelas e não o contrário, é como dizer que o carro embriaga uma pessoa para ela causar um acidente de trânsito.
Mais uma vez digo que este não é um texto onde excluo que coisas não podem, ou mesmo não devam mudar. O simples fato de concordar com haver uma alternativa ao público de minha parte, creio eu, já deixar isso claro. Bem como afirmar que estruturalmente existe racismo, seja na criação de uma lore de décadas e décadas atrás, seja no nosso mundinho real.
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Banalização do racial
Quando vejo uma raça sendo amenizada quanto aos seus desafios e problemas – problemas até fisiológicos, raciais de fato – por motivos que parecem vir de problemas reais, mas da nossa sociedade – real – da nossa história, fico deveras perplexo. Pois sou o tipo de pessoa que concorda que mais representatividade deve ocorrer em termos de raça, etnias, culturas, sexo… Mas o citado acima me passa a total percepção de vontade em achar problema onde não tem.
Além do fato de que quando você exime racialmente um personagem, ou toda uma raça, de suas desvantagens você está tirando a graça de se jogar com ela. Quase sempre são os defeitos, sejam evolutivos ou não, que tornam personagens interessantes e vívidos. Chega-se ao ponto de que raças mais parecem skins de games. Você apenas troca o aparente e fica por isso mesmo.
Quando você amacia algo desgostoso ou desvantajoso naquele indivíduo de determinada raça fantástica, além de torná-lo anômalo dentre os seus, se desequilibra a regra que foi feita com modificadores positivos e negativos. Citando D&D novamente. Ou seja, a boa ação de deixar mais palatável o racial como suposta medida de equiparação racial moral, torna a dinâmica, o sistêmico, desequilibrada.
Estou eu condenando a alternativa de tornar toda raça o mais densa moralmente – segundo uma visão off game – falando? Não. Claro que não. A regra é alternativa. Vai usar quem quiser. Ninguém vai chegar na sua mesa e dar uma tapa na sua mão enquanto você faz sua ficha de orc imbecil super forte com discurso de que isso é preconceito ou que os orcs não deveriam ser vistos dessa maneira.
Resolução simplista
Ao longo da última década pudermos observar uma série de gradações benéficas e irrisórias nos RPGs de mesa quanto a estigmas sociais. Vampiro: A Máscara, por exemplo. Para alguns foi deveras amenizado. Tráfico sexual de menores já não é um forte indicativo de vampiros do leste europeu. Neonazismo já não é uma ideia comprável – segundo a White Wolf, comercialmente falando – para alguns vampirões quebra-tudo. Ciganos podem ter sido tomados de forma pejorativa por determinada abordagem em volumes anteriores do RPG. Fica difícil as vezes distinguir quais decisões editoriais foram necessárias para tirar o que havia de tóxico e quais foram mera bajulação e famigerado “mimimi“. Por um lado, eu entendo e apoio muitas mudanças neste título. Por outro, eu acho que as pessoas se esqueceram que estão jogando e interpretando monstros.
Fato é que muita coisa tem de mudar. Seja em livros, seja nas mesas. Não tem como negar que o meio RPGístico ainda sofre com diversas besteiradas, como sexismo, diga-se de passagem. O que não exclui o fato de que certas providências tomadas para melhorar tais questões aqui e ali foram meramente infantis ou desconexas. Mesmo sendo alternativas, não chegando a se tornarem canônicas.
Por fim, boas machadadas em orcs intelectuais, além de boas rolagens, RPGistas.