Rastro de Cthulhu RPG – Conhecendo RPGs #04
Rastro de Cthulhu é um RPG oriundo das obras de H. P. Lovecraft. Este foi um escritor homogêneo e também revolucionário do gênero de horror. Conhecido pelo conceito do horror cósmico, que posteriormente seria uma fonte prolífera para tantos outros escritores e conteúdos. De Stephen King até Dungeons & Dragons. Howard Phillips Lovecraft foi um estadunidense de origens na classe média alta, vida pessoal conturbada pela perda de capital e também pela perda de familiares. Possuía perspectivas racistas e xenofóbicas, levando isso, em alguns casos, até a sua literatura. Tinha amizade com Robert E. Howard – criador de Conan O Bárbaro e seu universo – e Edgar Allan Poe era para uma figura inspiradora no ofício.
Curiosamente, Lovecraft nunca escrevera um livro se quer, compilando muitos contos pelos anos 20 e 30. Tal material só recebeu notoriedade e avaliação crítica devida bem após a sua morte. Hoje em dia ele é o pai de seu próprio conceito horrendo, criador de personagens que transitam pela cultura pop e são referenciados sem pausa em diversas mídias. Rastro de Cthulhu é um RPG que homenageia o legado de seu criador e revitaliza o título dentro do meio.
Ares lovecraftianos
O ser humano nada mais é do que um acidente da vida. Não há propósito existencial, nem perpetuação espiritual, muito menos relevância do homem diante do cosmo. Lovecraft trata a raça humana como um ponto infinitesimal diante dos eventos e seres que existem lá fora. Tais seres, alguns conhecidos como os Deuses Antigos ou Deuses Exteriores, são entidade incompreensíveis e cataclísmicas, se quer minimamente compreendidas pelos poucos que as conhecem dentre a raça humana. Além de toda uma gama de outras raças e seres cósmicos e caóticos a vagar pelo vazio, outros planetas e outras dimensões. Em suma, esses são os mitos de Cthulhu. A pluralidade cósmica-alienígena e sobrenatural incompreendida ainda que adorada, exercendo descaso ou influência sobre a Terra.
Mitos de Cthulhu
Shub-Niggurath, Dagon, Yog-Sothoth, Azathoth, Hastur, Nyarlathotep, entre outros. Todos deuses de grandeza inerente a nosso intelecto e existência. O próprio termo “deuses” é equivocado, uma vez que serve apenas para categorizar algo pensável para nós, bípedes há tão pouco tempo. De todos os grandalhões cósmicos, o mais famoso é o Senhor das Profundezas Cthulhu. Uma criatura que já fora influente no planeta, mas que agora se encontra adormecido, em torpor no fundo do oceano, esperando para acordar e trazer o provável fim para tudo e todos, reivindicando nosso planeta. A Terra está apenas no meio de planos e processos indescritíveis e tão antigos quanto o próprio tempo.
O conceito criado por Lovecraft, ainda que tão ramificado posteriormente, continua sendo muito particular e descrevê-lo de forma resumida tende a ser difícil, quase errôneo. Por isso, aconselho aos RPGistas que leiam seus contos, pelo menos os mais famosos como O Chamado de Cthulhu, Nas Montanhas da Loucura, A Cor que Caiu do Espaço, Dagon, A Música de Erich Zann e por aí vai. Alguns contos da Era Hiboriana – ambientação de Conan, O Bárbaro – também corroboram sobre tais seres e naturezas, uma vez que a Era Hiboriana é um período histórico da Terra esquecido da existência, e que se passa no mesmo mundo dos Mitos de Cthulhu. Lembra que Lovecraft e Howard eram amigos? Então.
Investigando o inominável
Em Rastro de Cthulhu os jogadores são os Investigadores, mesmo o narrador recebe um termo com mais flavor para o cenário. Chamado Guardião, o mestre ficará a frente deste grande RPG simulacionista, tendo como ponto de referência as obras de Lovecraft. Os investigadores podem ser pessoas variadas, de diferentes classes sociais, nacionalidades, profissões e histórias de vida. O que as une é a teia de mistérios e quem sabe até eventos violentos, insanos ou sobrenaturais em seus passados ou nas margens de sua vivência e percepção.
O cenário é ambientado na década de 1930, trazendo detalhes de como o mundo estava em tal momento, emulando também uma atmosfera noir, datada e de suspense pois aqui o foco é a investigação! Um cenário ótimo para se trabalhar reviravoltas, tensão, pistas, horror psicológico, ética diante da ausência de um bem maior e por aí vai. Jogando o Rastro você investigará eventos, lugares e seres estranhos que provavelmente o levará a morte ou insanidade. Crie o professor arqueólogo, o detetive particular, a espiã dupla, o ébrio dos becos, a bailarina imigrante, o capanga mafioso, o capitão marítimo, a doutora psiquiatra. O sistema e cenário deixa uma infinidade de possibilidades para a construção de ficha, trazendo a tona maior relevância para o desdobramento da história e as consequências que se abatem sobre a pessoa dos personagens.
O sistema de Rastro de Cthulhu
Na década de 1980 foi criado o RPG Chamado de Cthulhu usando um sistema bem pesado e regreiro. Sua ambientação era a mesma, os Mitos de Cthulhu. No entanto, seus sistema complexo e exigente por vezes acabava por travar o jogo, apontavam alguns críticos e usuários. Atualmente o Chamado já se encontra em sua 7° edição, sendo jogado consideravelmente até hoje. Rastro de Cthulhu veio para desmistificar a necessidade de um sistema pesado para o jogo, categorizando essa revitalização de cenário com o Gumshoe System, criado por Robie Laws em 2007.
O Gumshoe é um sistema apropriado e criado para tramas investigativas de forma a não travar o alcance de pistas, indícios e provas. Estas nunca – ou quase nunca, vai do Guardião – ficam fora do alcance ou dependentes de testes. A grande questão no sistema de Rastro não é como obter a pista, mas sim como usá-la. Que utilidade dar à ela. A ficha em sua maioria tomada pelas habilidades do personagem, as quais o tornam capaz de feitos só por já possuí-las às vezes, bem como o alcance de pistas e rastros.
Testes são feitos com d6 variando graduações dadas pelo Guardião para que seus Investigadores obtenham sucessos ou não. Os mesmos possuem um gerenciamento de pontos dentre suas habilidades, tais pontos podem ser gastos e atribuídos às rolagens como medida que visa o alcance do sucesso. Além disso, se tem de lidar com Sanidade, Estabilidade e Vitalidade. Valores que variarão durante o jogo e que conforme diminuem causam efeitos certamente negativos ao respectivo investigador.
No livro de regras, atualmente em sua 3° edição, que aqui no Brasil veio por financiamento coletivo através da editora Retropunk, você encontra descrições detalhadas não só da ambientação dos anos 30, mas também das criaturas e entidades, da magia desse cenário e muito mais.
Loucura e horror
Se tratando desse tipo de cenário, é muito provável que a maioria dos personagens obtenha um desfecho amargo. Seja morrendo, desistindo psicologicamente afetado, se tornando parte do “mal” ou ficando totalmente louco. Ressalto aqui que bem e mal não são noções de Mitos de Cthulhu, existindo coisas que transcendem tais conceitos humanos. O horror é maior que a moral e a loucura maior que a ética, por exemplo. O lado humano entra em choque contra coisas inomináveis criando assim uma atmosfera opressora, horrenda e alucinante gradativa. Este pode – na minha opinião, deve – ser um RPG de temática adulta, não só no sentido de quaisquer violências contidas ou almejadas, mas também quanto a sua significância e profundidade filosófica. Um cenário que mescla feitiçaria, ocultismo, entidades cósmicas, insanidade, corrupção, crises existenciais e violência.
Tentei ser o mais breve e conciso possível sobre Rastro de Cthulhu, nessa apresentação, caso você ainda não conhece sobre a obra e seu RPG derivado. Desejo a todos boas investigações e boas rolagens, RPGistas!