O Coringa foi uma boa representação para deficientes mentais? Entenda a crítica de David Fincher sobre o filme.
David Fincher critica o filme Coringa, dizendo que é uma “traição às pessoas com doenças mentais” em entrevista.
O filme Coringa, dirigido por Todd Phillips (Se Beber Não Case; Caindo Na Estrada) gerou várias controvérsias no ano de seu lançamento, em 2019. Quando David Fincher (Seven, Clube da Luta, Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres) disse que o filme é “uma traição aos doentes mentais”, ele fala de uma das maiores das controvérsias.
A afirmação foi feita em uma entrevista recente com The Telegraph sobre como o filme, onde Fincher cita sua percepção das mudanças dos padrões de Hollywood, apesar da industriária do cinema ser consistentemente movida pelo dinheiro. O diretor ainda falou de suas experiências com o icônico Clube da Luta. O filme de 1999 aborda temas muito parecidos com os do filme do vilão da DC.
Apesar de polêmica, a crítica do renomado diretor não é completamente injusta. A representação do filme não dá nortes e nem direções aos problemas enfrentados pela comunidade que sofre de dificuldades mentais. Em alguns momentos do filme, o abandono de medicação é lido como momento de clareza. Além disso, muitas partes do filme, como o início onde o protagonista é espancado por crianças, parece ser um tipo de violência caricata e pouco relacionada com as reais violências sofridas por pessoas com deficiências e dificuldades mentais.
David Fincher aborda com precisão a traição ocorrida no filme em relação às pessoas com deficiências mentais. De fato, o filme parece pretender ficar do lado dos neurodivergentes. Porém, de outro lado, a representação dessas pessoas parece ser mais um artifício narrativo fetichizado suas vivência do que realmente uma discussão a ser feita socialmente.
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O principal problema, talvez, seja o desfecho do personagem.
O Coringa se molda na visão que sociedade tem dele, e assim se torna o clássico supervilão. Apesar do filme realmente passar essa ideia, ela não é gerida pelo protagonista de maneira consistente e consciente. Ele mata acidentalmente algumas pessoas e isso desencadeia uma revolução das classes mais populares de Gotham. Ele afirma, na icônica cena final com Murray, que não tinha nada a ver com a revolta, apesar de estar sendo lido como um ícone pelos manifestantes.
O problema é que, em todo caso, o Coringa não tem autonomia da própria história, o que seria facilmente resolvido se ele fizesse uma parte ativa na narrativa da revolta durante o filme inteiro, e se colocasse como parte dela na entrevista com Murray. De qualquer modo, ao matar o entrevistador, o personagem já mostra esse sentimento de revolta à sociedade capacitista que ele reflete em sua loucura.
Por vezes, a deficiência mental do protagonista é representado como grotesco. Essas cenas onde isso ocorre são feitas para perturbar o público e nos fazer ficar tensos, e dão uma falsa sensação de realidade e brutalidade. É uma imagem que as pessoas que sofrem de doenças mentais não querem ser associadas, muito menos precisam ser colocadas nesse lugar de perigo em potencial. Infelizmente, esse papel é imposto às pessoas neurodivergentes em quase todo filme sobre doenças mentais ou loucura (incluindo Clube da Luta). Quando não, sempre assumem o papel de dependente, sem nunca ter autonomia ou histórias que incentivem a autonomia de suas próprias narrativas.
A narrativa nos leva a crer que o Coringa não teve opção se não apagar toda a humanidade que tinha dentro de si para ser retratado como ele deve ser: insano e puramente mal. Embora seja um esforço poético, o Coringa de fato trai aqueles que sofrem de doenças mentais e de fato reduz as doenças mentais a um cenário para justificar um ódio do protagonista à sociedade em geral.
Contudo, apesar das críticas, o filme foi muito bem recebido pelo público e pela crítica, levando dois Oscars e mantendo um número de nove indicações.
Fonte: Screenrant